terça-feira, fevereiro 26, 2008

O "REGICÍDIO" IDEOLÓGICO CAMARÁRIO






Não está em causa, de modo algum, que os monárquicos possam exercer livremente o seu direito constitucional a manifestar-se nas ocasiões que entendam como mais oportunas ao seu ideal político.

Contudo, no meu entender, não pode deixar de causar perplexidade que, a Câmara Municipal de Aveiro, órgão do aparelho de Estado, tenha intervenção e produza, cerimónias e outros, de cunho ideológico e político bem vincados e de orientação explicitamente contrárias à existência da República, concretamente, aquando das comemorações, monárquicas, do centenário do regicídio.
A Câmara Municipal não é uma instituição de produção e promoção de ideais ideológicos e/ou, ainda mais grave, de ideologias anti republicanas.
Portanto, e no sentido de arrumar as ideias da História, de alguns dos presentes, convém esclarecer os acontecimentos de então.
A monarquia não caiu por causa do regicídio. Este tipo de atentado fazia parte da cultura politica radical da época, como forma de acabar com tiranias. Houve tentativas, várias, idênticas um pouco pela Europa.
Na cegueira ideológica da monarquia, até o escritor Aquilino Ribeiro, foi acusado pelos monárquicos, de ser terrorista e de ter participado no atentado contra a vida do Rei e do Príncipe herdeiro. Associar o regicídio a um acto de terrorismo, como hoje é entendido, é ideologicamente condenável porque se limita a ler a história através dos conceitos actuais.
Em 1908, o rei D. Carlos era uma figura impopular devido a, entre várias razões, pela ostentação de riqueza, pelo escândalo dos adiantamentos à Casa Real, dois anos antes e, por estar desfasado da realidade do país que, excluía as novas classes sociais pujantes com interesses políticos, como o operariado, pequena burguesia e, por apoiar a ditadura de João Franco.

A queda da monarquia vem, aliás, de longe… desde o Ultimato (1890), e agrava-se nos anos seguintes. O poder já era muito fraco, o sistema oligárquico estava velho. Era preciso democratizar. A oposição, num país macrocéfalo, sentia-se sobretudo em Lisboa, cuja massa urbana se congratulou, de facto, com o regicídio.
Não é o Partido republicano que faz o Regicídio, embora o discurso de alguns dirigentes tenha sido condescendente. É preciso não esquecer que houve milhares de pessoas que apertaram as mãos aos, então assim considerados, assassinos. O acto teve mais defensores do que detractores e, foi uma consequência do clima de crescente tensão que perturbava o aspecto politico português. Desde a sua fundação que o objectivo primário do Partido Republicano era o da simples substituição do regime, e a sua participação na vida politica não os fazia menos empenhados na via revolucionária e conspirativa. Esta atitude teve a sua parte de responsabilidade no crime mas, os ânimos foram acirrados pelo estabelecimento de uma ditadura administrativa, por parte de João Franco, com o apoio do rei, em 1907.
Era esta a conjuntura quando D. Carlos se decidiu, finalmente, a ter uma intervenção activa no jogo político, escolhendo a personalidade de João Franco para a concretização do sempre falhado programa de vida nova. Este, dissidente do Partido Regenerador, solicitou ao Rei o encerramento do Parlamento para poder implementar uma série de medidas com vista à moralização da vida política. Tal pedido já havia sido antes feito ao monarca pelos líderes dos dois Partidos tradicionais, mas este sempre recusara, atendendo ao princípio que o rei reina, mas não governa. Agora, no entanto, D. Carlos achou chegado o momento de intervir, depositando a sua confiança no homem que julgava á altura e encerrou o parlamento.


Como sempre, o Rei, a Rainha e o Príncipe Real, alheados do país real, encontravam-se então em, Vila Viçosa, onde costumavam passar uma temporada de caça. Os acontecimentos acima descritos levaram o rei D. Carlos a antecipar o regresso a Lisboa, na manhã do dia 1 de Fevereiro de 1908.
Em retrospectiva, o regicídio é geralmente considerado como o fim efectivo do regime monárquico constitucional, sendo o golpe de 5 de Outubro de 1910 apenas a sua confirmação, tendo até, por parte do rei inglês Eduardo VII, o seguinte e curioso comentário: “Matam dois cavaleiros da Ordem da Jarreteira na rua, como cães, e lá no país deles, ninguém se importa!”